intervalos
por valter do carmo moreira

dentre os resultados da residência artística virtual da bienal de quadrinhos de curitiba online: “notas & traços”, que contou com a tutoria de luiz gê e arrigo barnabé, gostaria de chamar a atenção para uma experiência em especial, o trabalho apresentado por grazi fonseca e rodrigo stradiotto, a hq interativa: intervalos (residência bienal – notas & traços, 2021).
sim, acho que devemos nos referir a esse trabalho como uma experiência mesmo. como descrito no resumo do site, a hq resulta da interação simbiótica da linguagem dos quadrinhos e a da música, criando um ambiente imersivo e interativo. experienciar esse espaço virtual, por mais simples que possa parecer (a única exigência feita ao leitor/observador/ouvinte, a princípio, não passa de alguns cliques) pode apresentar um grande desafio para alguns leitores habituados às experiências mais convencionais de leitura. explico.
quando falo em experiência para definir o trabalho proposto pela dupla grazi/rodrigo, me refiro não só a “experiência” enquanto substantivo, que sugere experimentação, o ato ou efeito de experimentar, mas também ao adjetivo “experimental”, que se fundamenta na experiência empírica e sensorial, consubstanciando uma atitude que busca romper com as convenções estabelecidas da tradição, aqui no caso, dos quadrinhos.
para romper com as convenções dos quadrinhos, grazi joga com os elementos mais básicos e fundamentais da linguagem visual, reduz sua matéria aos termos mínimos: o ponto, a linha, o plano e as cores primárias. renuncia a qualquer indício verbal, e afronta à pressuposta sequencialidade das hqs ao dar ênfase a simultaneidade. troca a superfície hegemônica tradicional dos quadrinhos (de um elemento sobre o outro, por exemplo: figura sobre o fundo) por um plano geométrico baseada em coordenadas bidimensionais, num (não tão) discreto elogio ao neoplasticismo do pintor holandês, mondrian.
a filosofia neoplástica é fundada no desejo utópico de construir um novo mundo pautado pelo equilíbrio das tenções e pela equidade, traduzido em termos plástico-formais na disposição das formas, linhas e no contrabalanceamento das cores no espaço.
o jogo aqui é plástico, não narrativo.
e é nesse ponto que a exigência da obra ultrapassa a demanda de alguns cliques que acionam a progressão dos quadros e da música. aqui, ela passa a demandar uma participação mais do que ativa do leitor/observador/ouvinte, ela requer não uma participação física (como o clic), ou mental (de interpretação) mas um exercício de generosidade. é necessário se entregar a experiência.
é justamente o abandono das convenções e das tradições que pautam e orientam o leitor habitual de quadrinhos que se interpõe como uma muralha. nesse sentido, revela consigo o desafio não só da obra, mas de nosso tempo.
a sugestão deixada pelos autores para o aproveitamento da experiência em seus melhores termos, seria acessar à página de um desktop (e não do celular), dada a construção tabular do encadeamento progressivo dos quadros, bem como usar de fones de ouvido, para um mergulho mais profundo em sua atmosfera; são ações fundamentais para a consolidação do espaço de imersão proposto.

resenha completa: balbúrdia
resultado da residência bienal "notas & traços": intervalos

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